quarta-feira, 5 de maio de 2010

O estranho caso da máquina de limpar café

O estranho caso da máquina de limpar café

O Seu Farnese, morava "na Brasília" como ele mesmo dizia. Tinha um sítio aqui em Nazareth de Minas, beirando a represa de Furnas, onde criava porcos engordados com as mandiocas que ele mesmo plantava.
Fora chamado pela minha sogra, para ajeitar a "D'Andrea", máquina nova, que estava ainda na caixa, para monta-la e fazer um meio, que pudesse toca-la.
Fazenda sem luz, deveria ser motor a diesel, todos pensavam, pois seria mais lógico.
Farnese, como era das experiências quase sempre bem sucedidas, avisou pra minha sogra, que faria umas adaptações no engenho de cana, que era movido pela grande roda d'água, usando esta mesma força para tocar o descascador.
Explicou a grosso modo, que bastaria substituir umas roldanas de jacarandá, por outras, que ele mesmo faria, colocando uma tal de "polia louca" substituindo a embreagem, para dar embalo no limpador, depois de devidamente montado.
Colocou-se a trabalhar, à sombra da paineira, munido da sua enxó espanhola legitima, marca "bellota", bem afiada, pois os entalhes na feitura de novas engrenagens teriam que ficar perfeitos.
Trabalhou na montagem meses a fio, pois não cobrava por dia, os acêrtos eram feitos no final, caso tudo desse certo, o serviço contratado. Não que minha sogra quisesse, mais porque ele era sistemático no seu modo de agir...
Tudo montado, calculado, lugar livre de algumas marcas do engenho, pois agora o cômodo era bem mais valorizado com a presença de uma maquina de limpar D'Andrea, limpadora para produzir limpos e ensacados, 20 sacas de café bem apurado, apesar de ser ela "bica corrida", com um só expelidor de escolhas...
A confiança era tanta no seu trabalho, pois não era o primeiro que fazia, tinha feito na Fazenda Floresta e outros sítios, tudo saindo a contento, que convidara todos, num sábado, a se reunirem no antigo engenho, para assistirem a limpa de café em coco, que já tinha sido seco, das primeiras remessas que o terrereiro Zico, já tinha preparado.
Grita de alto e bom som para soltarem a água do rêgo, pois as roldanas e engrenagens já estavam bem untadas com azeite de mamona, por ele devidamente preparado.
A água é liberada facilmente, e se encaminha para a roda, que preguiçosamente começa a se movimentar, aumentando aos poucos a rotação, a medida que suas caçambas vão enchendo.
As engrenagens começam a se movimentar, por enquanto livres pela polia, que começa o giro até dar a velocidade necessária ...
Seu Farnese corre e aciona a alavanca, que fará com que a força da roda finalmente faça a máquina trabalhar e proceder a limpa.
Alavanca solta, a maquina recebe a força e começa trabalhar. Começa limpar café: Todos se alegram: A maquina joga café limpo na saca...
Súbito! Um barulho estranho se faz ouvir...O ranger da máquina indica que algo saiu errado...Ela contrapõe a força da roda, joga café em coco pelas caçambinhas, embucham, travando de vez a máquina, fazendo Farnese correr pra alavanca, liberando a força para a polia louca!
Depois de desembuchar a máquina e tentar por quatro vezes, finalmente desiste de continuar suas tentativas...
Todos olham para ele, como que indagando o que acontecera. Afinal quase nunca tinha falhado assim tão desastradamente...
Farnese, sai com a cabeça baixa, envergonhado e confuso, jurando que tinha feito tudo certo, mas já era tarde, arrependido de ter convidado todos, antes de experimentar seu empreendimento...

Minha sogra depois, colocou um motor a diesel potente de "dez cavalos" para substituir todo aquele aparato, mas em vão : O mesmo aconteceu:
A máquina embuchou e quase fundiu o motor.
O pai de minha sogra resolveu comprar-la e leva-la para sua fazenda, instalando-a com um motor elétrico "Búffalo" de "dez cavalos".
Quando ligou o motor pra tocar a limpa, a máquina embuchou novamente, queimando um de seus velhos motores made em USA.
A máquina foi desmontada e colocada no porão...Suas roldanas serviram de reposição e sucata, bem como as polias,,, Até que um dia, contei o caso para um amigo, acostumado revisar máquinas: O que me disse convicto o Zé Murad:
Victor, pega a D'Andrea, compra as peças que estão faltando, que eu monto ela pra você e faço funcionar...
Falei para o avô da minha esposa que compraria a máquina, o que ele me respondeu incrédulo também, que eu faria um favor se a pegasse no porão para desentulha-lo.
Fui com meu jeep e carreta, peguei o que sobrava dela e entreguei para o Zé, que me disse que o problema estava na sururuca, Erro de fábrica, montaram as peneiras invertidas, fazendo o café se amontoar dentro dela mesmo...
O Zé Murad concertou o erro de fábrica, fazendo uma máquina de quarenta anos atrás, ainda virgem, trabalhar compassadamente, silenciosa qual relógio...


Sobre a obra
A máquina é da marca D 'Andrea, de pouca produtividade, somente 20 sacas por dia, mas serve bem a meus propósitos. A Fábrica errou ao inverter as peneiras, se não tivesse ocorrido este engano o "Seu Farnese " teria tido exito no seu empreendimento, não teria se sentido desprezado e minha sogra não teria tido tantos prejuízos, bem como o avô de minha esposa...Mas também, a máquina não teria terminado aqui comigo, funcionando até hoje.
Fazenda Soledade, ano de 1962, Sul de Minas, Brasil.

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